Carlos Shalders
Sob o título “Uma Vida Longa e Útil”, “O GLOBO” de 03 de outubro de 1.963 prestou sua homenagem ao Professor Carlos Gomes de Sousa Shalders, estampando-lhe o retrato na primeira página do primeiro caderno.
Vários outros jornais do Rio e de São Paulo dedicaram ao Dr. Shalders, pelo transcurso do seu centenário, amplo noticiário, tendo havido, entretanto, um geral desconhecimento quanto à religião por ele professada, ou seja, a espírita.
Em vista de ter sido o sócio número 1 da Associação Cristã de Moços e seu primeiro presidente, certa agência noticiosa de São Paulo julgou que o Professor Shalders ainda era protestante. A verdade, contudo é que o aniversariante, pelo menos havia três décadas, era espírita convicto, autor, mesmo, de um estudo bíblico à luz do Espiritismo.
Com os doutores João Batista Pereira, Lameira de Andrade, Canuto Abreu e outros, foi um dos fundadores da extinta “Sociedade Metapsíquica de São Paulo”. Ocupou o cargo de diretor do Departamento de Metapsíquica da Federação Espírita do Estado Bandeirante, da qual foi igualmente vice-presidente, tendo sido entusiasmado pesquisador da fenomenologia mediúnica.
Assistiu a várias seções de materialização, num grupo familiar onde o número de assistentes não passava de oito pessoas, incluindo a médium. Isto se deu em 1.938, e ele, Carlos Shalders, chegou a narrar para a “Revista Internacional de Espiritismo”, de Matão (SP), os fatos passados numa dessas seções em casa do Sr. L. C., no Rio de Janeiro.
“Seus 100 anos de vida” – escreveu o nosso confrade, professor Herculano Pires, no “Diário de São Paulo”, de 06/10/1963:
“Foram coroados, nas últimas décadas, por uma posição definida e uma constante atividade espírita. Ainda há alguns anos, todos os domingos de manhã, o Professor Shalders tomava o seu lugar, religiosamente, na primeira fila de cadeiras do auditório da Federação, para ouvir as palestras evangélicas de Pedro de Camargo, o venerando pregador e escritor espírita, conhecido por Vinícius, seu pseudônimo literário. Só deixou de fazê-lo quando Vinícius, também em idade avançada, se afastou da tribuna”.
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Carlos Shalders nasceu no dia 03 de outubro de 1.863, em João Pessoa, Paraíba, filho de Robert James Shalders, vice-cônsul inglês na capital paraibana, e de D. Clementina Rosa Gomes de Sousa, natural do Maranhão.
Sua primeira esposa, D. Estefânia Ferreira Pinto Shalders Neto, deu-lhe um filho, que recebeu o nome do avô e que, com 78 anos, representou o pai na sessão solene realizada na Sala da Congregação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde, na noite de 03 de outubro de 1.963, foi inaugurado o retrato a óleo do Professor Shalders. Esta homenagem, bem assim a que no dia seguinte lhe fizeram, imortalizando-lhe o nome em medalhão de bronze colocado no Departamento de Matemática da mesma Escola, foram a expressão de reconhecimento de várias gerações de engenheiros. O Estado de São Paulo conferiu-lhe, na mesma época, o título de “Servidor Emérito do Estado”.
Formado em 1.885 pela antiga Escola Central (Escola Politécnica) do Rio de Janeiro, o Professor Shalders proferiu a aula inaugural da Escola Politécnica de São Paulo, no ato de sua inauguração, em 1.894. Até 1.934, quando se aposentou como Diretor desse estabelecimento, foi professor catedrático de Matemática Elementar (Revisão e Complementos), Trigonometria (Retilínea e Esférica), Álgebra Superior e Geometria Descritiva.
Em 1.949, o Conselho Universitário de São Paulo conferiu-lhe o título de “Doutor Honoris Causa”, e pelo transcurso de seu jubileu no magistério, foi distinguido como “Professor Emérito” pela Congregação da Escola Politécnica.
É o primeiro professor universitário que atinge um século de existência.
Casou-se ainda duas vezes mais, respectivamente com D. Hermantina Shalders e D. Helena Gorhan, duas distintas damas.
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Shalders trabalhou na Estrada de Ferro Paraná – Santa Catarina e na Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.
Estava na Mogiana ao ser proclamada a República. Uma lei determinara então que os filhos de pais estrangeiros optassem pela cidadania dos pais ou pela brasileira. Alguns dos irmãos do Professor Shalders escolheram a cidadania inglesa. Ele, porém, preferiu continuar brasileiro. Trabalhou, depois, em diversos serviços públicos, como a construção do serviço de saneamento da Mogiana.
Secretário particular de Sir Alexander Mackenzie, da Light, aposentou-se como assistente-técnico da empresa, “onde, porém, durante muitos anos ainda, foram conservados sua sala, sua mesa e seu auxiliar exclusivo, a fim de que ele pudesse atender, ocasionalmente, a relatórios e consultas técnicas”. Foi também presidente da primeira Junta Administrativa da Caixa de Aposentadoria e Pensões da Light.
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A educação e a instrução da Juventude sempre lhe mereceram as melhores atenções. No tempo em que lecionava, havia falta de livros em português para os estudantes, muitos dos quais se viam impossibilitados ou de adquirir ou de ler as obras em língua estrangeira. O Professor Shalders então passou a escrever a matéria das aulas e a distribuir as folhas, por ele mesmo mimeografadas, a dez tostões cada uma. Foram as primeiras apostilas universitárias, posteriormente reunidas em um livro.
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Recolhido ao leito em sua casa, e consequência de uma queda, perfeitamente lúcido e de saúde satisfatória, o Professor Shalders recebeu a imprensa, fazendo, entre outras, essas declarações:
“Até 1.960, eu caminhava 5 Km por dia. E andando, estudava, aprimorando meus conhecimentos de Esperanto, de que gosto muito”.
Perguntando-lhe o repórter sobre o segredo de sua longevidade, disse o entrevistado:
“Nuca fiz extravagâncias. Nunca fumei. Raramente bebi. Mas acho que a razão principal foi minha vida metódica e, sobretudo, religiosa”.
Engenheiro, Educador, Matemático, Esperantista e Espírita, o Professor Carlos Gomes de Sousa Shalders foi – diz “O GLOBO” de 10/11/1.963 – organizador de numerosas instituições científicas, culturais e de benemerência, constituindo um exemplo de trabalho, tenacidade e retidão moral, esteios de “uma vida longa e útil” que o fez admirado e querido de todos.
Em 09 de dezembro de 1.963, o Professor Shalders desencarnou na capital paulista, sendo sepultado no Cemitério Redentor.