“QUEM TEM OUVIDOS, OUÇA”
(Mateus 13:9).
Assim Jesus se expressava quando de seus ensinos, indicando às pessoas que era necessário entender suas palavras, mas que esse entendimento demandaria do ouvinte uma atenção especial, pois não eram apenas palavras retóricas, mas ensinamentos para a vida. Era como se dissesse: QUEM ESTIVER ATENTO ÀS MINHAS PALAVRAS, ENTENDÊ-LAS-Á E ENTENDENDO-AS VIVERÁ MELHOR.
As palavras de Jesus, embora ditas em um determinado contexto histórico-cultural recuado no tempo, ainda ecoam hodiernamente, servindo como roteiro de vida. São palavras remotas, porém, paradoxalmente, atuais, pois são “palavras de vida eterna”, como bem asseverou o apóstolo Pedro (João 10:68).
Os tempos mudaram, os costumes mudaram, mas isso não implica em dizer que os ensinamentos de Jesus mudaram. São os mesmos ensinos: são as mesmas doces palavras que tocaram o coração e a mente das pessoas que o ouviram diretamente. Entendê-las, interpretá-las em espírito e verdade, é o que se precisa fazer. Jesus foi preciso quanto a essa necessidade. Instado por certo Mestre da Lei a lhe dizer qual era o maior dos mandamentos, Jesus, lhe diz: “O QUE ESTÁ ESCRITO NA LEI? COMO LÊS?” (Lucas 10:26)
É justamente isso que se torna preciso fazer.
COMO ENTENDEMOS O QUE JESUS ENSINOU?
COMO, HOJE, LEMOS?
Olhando do presente para o passado, a moderna exegese busca no método gramático-histórico uma das formas para interpretar os ensinos de Jesus. Faz, para tanto, uma análise gramatical, observando a tradução, a sintaxe e a interpretação histórica para as palavras.
Compreender o sentido das palavras e as condições históricas em que foram registradas, entender o que as “escrituras” representavam para os primeiros destinatários, seja, talvez, um bom começo.
Jesus falava para um povo que tinha suas leis calçadas no sentimento religioso. Um povo que lutou para a sua fixação na “terra prometida”, um povo que dominou e foi dominado, que se viu cativo no Egito e na Babilônia, que mesclou costumes, mas que refutava aqueles que não fossem os genuinamente israelitas. Um povo que naquela época estava sob o jugo romano e que esperava o cumprimento da profecia que versava sobre a vinda de um Messias, um libertador, que empunhasse a espada de Davi.
Doutores da lei, escribas, gente do campo, da pesca, pessoas iletradas, revoltosos políticos, esses eram os primeiros destinatários da mensagem de Jesus. Para esses, Jesus dizia: “arrependei-vos, pois está próximo o Reino de Deus” (Mateus 4:17). Para esses dizia: “Não penseis que vim destruir a Lei ou os profetas, não vim destruir, mas cumprir.” (Mateus 5:17). Para alguns, Jesus falava com assertividade, para outros, falava por parábolas, respeitando a condição de entendimento de cada ouvinte.
Atualmente, vários estudiosos de diversas religiões vêm desenvolvendo respeitosos trabalhos visando o melhor entendimento para os ensinos de Jesus. Entendem muitos que somente agora, há pouco tempo, a forma interpretativa foi adotada. Pensam que no passado havia apenas a leitura literal dos textos, quando muito observando uma moral global exarada nos escritos.
Todavia, pode-se ver que a forma interpretativa das palavras de Jesus não é algo criado na modernidade. O próprio Jesus nos deu o indicativo para uma interpretação segura. Ele foi a primeira pessoa a interpretar suas próprias palavras na forma que modernamente se faz, qual seja, valendo- se de analogias, de figuras de linguagem, de elementos semânticos. Em suas parábolas utilizava elementos do dia a dia das pessoas, como as condições climáticas, a fertilidade do solo e o plantio do trigo.
Jesus interpreta a parábola do semeador (Mateus 13:10-23), analisando cada elemento da parábola. Compara a semente à palavra (ao ensinamento). Compara os solos (beira do
caminho, pedregoso, com espinhos) às diversas pessoas que ouvem a palavra, mas não a aproveitam.
Compara, também, a terra fértil àquelas pessoas que aproveitam o ensino, cada um na medida de sua capacidade, aplicando-o em suas vidas.
Em outro momento, a pedido dos discípulos, Jesus interpreta a parábola do Joio e do Trigo (Mateus 13:34-43). Mais uma vez Jesus utiliza de analogias semânticas, dizendo que aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem; o campo onde se semeou é o mundo; a boa semente são os filhos do Reino; o joio são os filhos do “malvado”; o inimigo que o semeou é o “diabo”; a ceifa é a consumação da era e os ceifeiros são os “anjos”. É uma visão escatológica, comum na forma cultural daquele povo.
No passado, no século XVII, padre Antônio Vieira, ícone da literatura barroca brasileira, em seus sermões, já utilizava meios interpretativos que iam além de simples analogias em relação a coisas ou fatos.
Vieira interpretava os evangelhos analisando palavra a palavra, verbo a verbo, pronome a pronome. Escreveu e proferiu vários sermões interpretativos dos evangelhos.
No chamado sermão da sexagésima, proferido em 1655, Vieira interpreta a parábola do semeador.
Pode-se dizer que Antônio Vieira foi um precursor na análise interpretativa dos evangelhos. A guisa de exemplo, vale observar o que escreve Antônio Vieira sobre a primeira frase da parábola, aquela que diz que “o semeador saiu a semear”.
Escreve Vieira:
“Diz Cristo, que saiu o Pregador Evangélico a semear a palavra divina. Bem parece este texto dos livros de Deus. Não só faz menção do semear, mas faz também caso do sair. Exiit, porque no dia da messe hão-nos de medir a semeadura, e hão-nos de contar os passos. […] Para quem lavra com Deus até o sair é semear, porque também das passadas colhe frutos. Entre os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair. […] Aos que têm a seara em casa, pagar-lhes-ão a semeadura; aos que vão buscar a seara tão longe, hão-lhes de medir a semeadura, e hão-lhes de contar os passos. Ah dia do Juízo! Ah Pregadores! Os de cá, achar-vos-ei com mais Paço, e os de lá com mais passos: Exijt seminare. […] Diz Cristo que o semeador do Evangelho saiu, porém não diz que tornou; porque os Pregadores Evangélicos, os homens que professam pregar e propagar a Fé, é bem que saiam, mas não é bem que tornem. […] Porque sair para tornar, melhor é não sair. […]
Ide e pregai a toda a criatura.
Vê-se claramente que as interpretações dos evangelhos contam de muito tempo. Em cada época, em cada religião, os evangelhos foram analisados, buscando uma ética relacional para a existência humana.
No segmento espírita não foi diferente. Formas interpretativas foram e são apresentadas, visando uma melhor compreensão, em espírito e verdade, dos ensinamentos do Cristo. Além de Allan Kardec, notáveis estudiosos espíritas, de tempos idos, dentre eles Cairbar Schutel (Parábolas e Ensinos de Jesus) se propuseram a apresentar estudos interpretativos dos evangelhos, valendo-se da contribuição dos ensinamentos espíritas.
Espíritos como Emmanuel, Amélia Rodrigues, Humberto de Campos, trouxeram fatos e palavras de Jesus, não expressos nos evangelhos, que preencheram certas lacunas na exegese. A interpretação dos evangelhos, com a contribuição dos espíritos, ficou mais rica, mais profunda. Reviveram-se períodos da história em que as pessoas consagravam esforços e tempo para o entendimento dos evangelhos.
No particular estudo minucioso do evangelho é preciso ressaltar o trabalho de pessoas que enriqueceram a interpretação. Com singeleza, com simplicidade, mas com profundidade de análise, desenvolveram o estudo que foi carinhosamente chamado de “Evangelho Miudinho”. Parte desses estudos pode ser apreciada no livro Luz Imperecível, editado sob a coordenação de Honório Onofre de Abreu, em 1997, em comemoração aos 40 anos do Grupo Espirita Emmanuel, de Belo Horizonte.
Os evangelhos nos trouxeram diversos ensinos de Jesus.
Todos os seus ensinos? Talvez não, como bem asseverou o apóstolo João ao escrever “Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus realizou, que se fossem escritas uma por uma, nem mesmo – suponho – o mundo teria lugar para os livros escritos” (João 21:25). É justamente nesse ponto que a doutrina espírita representa um diferencial interpretativo dos evangelhos.
Com a presença dos espíritos, aclarando fatos e desdobrando os ensinos de Jesus, com os estudos sistematizados do evangelho à luz da doutrina espírita, entender-se-á que, de fato, Jesus é a porta e Kardec a chave. Assim sendo, todos teremos “ouvidos para ouvir” e as palavras do Cristo ecoarão em nossos corações e mentes.
Bibliografia Consultada: DIAS. Harokto D. O novo Testamento. Brasília (DF, Brasil: Conselho Espirita Internacional, 2010).
VIEIRA, Antônio. Sermões: Padre Vieira. Organização e introdução Alcir Pêcor. São Paulo: Hedra. 2000.