AMÁLIA DOMINGO SOLER – BIOGRAFIA

Amália Domingo Soler

Amália Domingo Soler nasceu na cidade de Sevilha, na região da Andaluzia, Espanha. Sua cidade natal, cujo símbolo é a “Torre da Giralda”, antigo minarete mouro transformado em campanário (com um ornamento em seu topo que gira com o vento: La Giralda), tem brilhante participação na história da Espanha e do Ocidente.

Durante a idade média foi uma das principais cidades de Al-Andaluz e um dos focos mais brilhantes da civilização árabe medieval, a fama de seu rei poeta Almotamid permanece como testemunho de uma época de esplendor. Após a reconquista, foi importante centro de transmissão da cultura muçulmana para seus novos senhores cristãos. O Alcazar de Sevilha e a própria Giralda são testemunhos vivos desta mescla que marca até nossos dias o povo da Andaluzia.

Durante os séculos em que o sol não se punha no vasto império espanhol – que cobria as Américas e se estendia pelo Pacífico – a cidade, onde Amália nasceu, era o principal porto de acesso aos territórios de além-mar. Riquezas de todos os cantos fluíam por seus armazéns e dali seguiam para financiar as incontáveis guerras que travaram seus reis. Foi justamente após o desmoronar desse império, ferido mortalmente pelas guerras napoleônicas e pela perda da maioria de suas colônias americanas, que nasceu Amália, em 10 de dezembro de 1835.

Estava no trono da Espanha uma criança, a rainha Isabel II (proclamada em 24 de outubro de 1833), com sua mãe – Maria Cristina – como regente. Este reinado tornou-se um período extremamente conturbado, marcado por ministérios de curta duração, crises religiosas (supressão da Companhia de Jesus e extinção de diversos conventos), epidemias e uma guerra civil – as guerras Carlistas (Don Carlos, cunhado de Maria Cristina não reconheceu Isabel II como rainha, contando com o apoio de parte do clero, grandes proprietários e parte do exército) – cujas sequelas ainda se fariam sentir no século seguinte.

Consequência direta de tantas dificuldades foi a penúria econômica que caracterizou a vida de grande parcela da população. Devido a miséria e a anarquia, essa também foi a época dos “bandoleros andaluzes” (aprox. 1817 a 1850), grupos de bandidos, que a partir da Serra Morena aterrorizavam os campos andaluzes.

Alguns destes bandidos se transformaram em figuras do folclore e foram imortalizados em canções populares.

É neste cenário conturbado que se passa a infância de Amália Domingo Soler. Infância que não pode ser considerada feliz. Já antes de nascer, tem sua primeira grande perda, pois seu pai parte em uma longa viagem e nunca mais retorna. Aos oito dias de idade fica cega, sendo curada aos três meses por um farmacêutico.

Problemas com a vista a seguiriam por toda a vida, sempre a ameaçando com a cegueira. 

Os anos seguintes de sua vida passam em relativa segurança, amparada pela mãe, com quem tinha grande afinidade: “Em meus olhos, que ficaram muito imperfeitos, não sei o que via, mas o certo é que se consagrou em absoluto a mim e não teve outro afã senão o de tornar-me feliz, zelando para não se descuidar, nem de leve com minha educação; basta dizer que quando completei dois anos começou ela a tarefa penosa de ensinar-me a ler, obtendo como prêmio de seu afã que aos cinco anos eu lesse corretamente, fazendo-me ler em voz alta duas horas por dia. Nossos espíritos se uniram de um modo tão admirável que só no olhar adivinhávamos os nossos pensamentos”. Amália Domingo Soler, Minha Vida.

Amália escreveu suas primeiras poesias aos dez anos de idade e aos 18 publicou seus primeiros versos. Uma de suas poesias, recorda os melhores dias de sua juventude, de seus passeios com a mãe e os amigos nos jardins do Alcazar de Sevilha:

A una Rosa
Flor de hermosura ideal,
Bella y delicada rosa,
Yo te contemplé orgullosa
En un jardín oriental.
Hubo un ser que compreendió
Que admiraba tu hermosura;
Temerário te arrancó:
En mi mano te dejó,
Y le miré con ternura.
Otra vez nos encontramos
Y en memoria de la rosa
Cariño eterno juramos;
De amistad pura y preciosa
Un santo lazo formamos.
Hoy tus hojas sin color
Las contemplo y bendigo;
Pues me dieron un amigo
Que es una ignorada flor.

Amália Domingo Soler
Memorias de una Mujer

Esta poesia, escrita em sua juventude, foi-lhe relembrada, muitos anos depois, pelo espírito do amigo citado.

Amália não chegou a casar-se e aos vinte cinco anos, com o falecimento de sua mãe, começou a fase mais difícil de sua existência. Os recursos que sua mãe dispunha, praticamente se esgotaram no tratamento de sua saúde e as relações com seus familiares – parentes do pai – não eram das melhores.

Assim, além da solidão, começaram para Amália dias de grande penúria. As soluções propostas por seus familiares lhe foram impossíveis de aceitar: entrada no convento ou casamento arranjado com um senhor de muito mais idade, em boa situação financeira.

Assim ela se dirigiu a Madrid, capital do país, na esperança de encontrar melhores condições de sobrevivência, com suas poesias e com um trabalho modesto. Suas dificuldades foram imensas, até fome passou e teve de recorrer a instituições de caridade, pois raríssimas as possibilidades de trabalho honrado para uma moça pobre e desamparada. Nesse período, no desespero da fome e da solidão, pensa até em matar-se.

Em uma noite de grande amargura, em que tinha perdido até mesmo a noção de Deus e debatia-se na dúvida do destino de sua mãe, esta lhe aparece e causa-lhe viva impressão. Impressionada pela visão de sua mãe, recorda-se da religião e busca reconforto nas igrejas.

É, porém, junto a uma igreja luterana que encontra o apoio que procura. A palavra de seus pastores e a convicção de seus fiéis lhe trazem de novo a fé e o consolo da confiança em Jesus.

O esforço de escrever versos, dos pequenos trabalhos de costura, unidos a difícil condição em que vivia, lhe pioraram significativamente a vista e somente graças ao tratamento feito por um médico homeopata, salvou-se da cegueira.

Foi também este médico que lhe fala pela primeira vez de uns “loucos”, adeptos de uma novidade chamada Espiritismo, e lhe empresta um exemplar do jornal espírita “El Critério”. O curioso é que o médico era materialista e lhe fala do Espiritismo para consolá-la de suas aflições. É lendo um artigo deste jornal – reproduzido nas suas memórias – que ela se convence da verdade do Espiritismo e busca maiores informações. Estuda o que lhe chega as mãos sobre o Espiritismo e para poder ter acesso as revistas espíritas, começa a escrever artigos para elas.

O primeiro de seus trabalhos espíritas é uma poesia para o jornal “El Critério”, que embora não tenha sido publicada, lhe valeu uma carta do editor – Visconde de Torres Solanot – com um livro espírita de sua autoria (Preliminares del Espiritismo).

É no periódico espírita “La Revelación”, da cidade de Alicante, que pela primeira vez sai publicado um texto de Amália Domingo Soler, uma poesia. Seu primeiro artigo doutrinário, “La Fe Espiritista” sai pelo “El Critério”, em seu número 9, de 1872.

Seus artigos chamaram a atenção e aos poucos se integra ao movimento espírita espanhol, participando de reuniões.

Foi em 31 de março de 1875 – aniversário da desencarnação de Allan Kardec – que no salão da Sociedad Espiritista Española, diante dos membros desta sociedade, Amália lê sua poesia “A la Memoria de Allan Kardec” e – como registra em suas memórias – passa a fazer parte das fileiras dos propagandistas da Doutrina Espírita.

Grande escritora, com textos que falam tanto ao coração como à razão, e de espírito tão extraordinário como seu talento com as letras, conquistou totalmente as simpatias dos espíritas espanhóis.

Fernandes Colavida a presenteia com a coleção das obras de Allan Kardec.

Os espíritas de Alicante a convidam a ficar junto a eles, sob sua proteção, dedicando-se exclusivamente à divulgação da Doutrina. Junto aos espíritas de Murcia permanece 4 meses recuperando-se de uma enfermidade.

Amália, firmemente acreditando que seria errado viver do Espiritismo, continua a trabalhar de dia e escrever de noite. Permanece em Madrid até que se muda para Barcelona, em 10 de agosto de 1876, convidada pelo grupo espírita “Circulo La Buena Nueva” e com a esperança de encontrar melhores condições de trabalho na capital Catalã, já então cidade empreendedora e de grande atividade econômica.

Três meses após chegar a Barcelona, novamente os problemas de visão voltaram a atormentar Amália e quase cega encontrou amparo na família de Luís Lach, presidente do Circulo. Deram-lhe abrigo e condições de dedicar-se integralmente ao Espiritismo. Nas reuniões do Circulo, Amália veio a conhecer Miguel Vives, médium extraordinário, através do qual recebeu mensagens de sua mãe.

Também entre os espíritas barcelonenses conheceu o médium sonâmbulo Eudaldo, que se tornou seu colaborador e através do qual recebeu grande número de mensagens, inclusive as que foram reunidas no livro “Memórias del Padre German”.

O Padre Germano, guia espiritual de Amalia, se apresentou pela primeira vez em 9 de maio de 1879 e a publicação de suas memórias foi feita em partes a partir de 29 de abril de 1880. 

Além de publicar artigos em periódicos espíritas, Amália também refutou ataques ao Espiritismo em jornais como a “Gaceta de Cataluña”, ficando célebre sua polêmica com o orador católico Vicente de Manterola.

Em 1878, Vicente iniciou uma série de conferências combatendo o Espiritismo, as quais Amalia assistia e respondia em artigos na “Gaceta de Cataluña”. O mesmo orador chegou a publicar, em 1879, um livro intitulado “El Satanismo, o sea la Catédra de Satanás, combatida desde la Cátedra del Espíritu Santo – Refutación de los errores de la Escuela Espiritista”. Este foi refutado em uma série de 46 artigos de Amalia, reunidos posteriormente no livro “El Espiritismo refutando los errores del Catolicismo”.

Em 22 de maio de 1879 sai o primeiro número do periódico “La Luz del Por venir”, dirigido por Amália Domingo Soler. O periódico surgiu devido a insistência de Luís Lach e do editor Juan Torrents que convenceram-na a aceitar a tarefa de criar um periódico direcionado à “mulher espiritista”.

No primeiro número saiu o artigo “La idea de Dios” que foi denunciado às autoridades e provocou a suspensão do periódico por 42 semanas (voltou a ser publicado antes devido a um decreto do rei Alfonso XII). Durante a suspensão do periódico, foi publicado um substituto “El Eco de la Verdad”, que chegou a ser denunciado por outro artigo (“Los Obreros” de Cândida Sanz) e absolvido.

Importante notar que estas denúncias – embora uma reação de setores religiosos que se sentiam ameaçados pelo Espiritismo – não são tão difíceis de se compreender, se considerarmos o clima geral da época de Alfonso XII. Este rei subiu ao trono com 17 anos em 29 de dezembro de 1874, em meio a uma crise política que levou a abdicação de sua mãe, a rainha Isabel II. A Espanha vivia um clima de extremismos, com o governo tendo que defender-se tanto contra os “Carlistas”, que retomam a guerra civil, quanto contra os republicanos que querem o fim da monarquia.

Reformas liberais necessárias a modernização do país, misturavam-se com manifestos militares, crises políticas e novas guerras na África. O Catolicismo é a religião oficial do estado e procura reagir com todas as suas forças às mudanças liberalizantes que podem comprometer-lhe essa posição.

O periódico “La Luz del Porvenir” foi publicado até 1899 e muitos dos artigos de Amália Domingos Soler publicados durante este período – incluindo “La Idea de Dios” – foram, a partir de 1972, reunidos por Salvador Sanchís Serra nos livros “La Luz del Porvenir” e “La Luz del Camino”, distribuídos gratuitamente por ele e pelo grupo espírita “La Luz del Camino” de Orihuela, Alicante.

As memórias de Amalia Domingo Soler foram escritas em 1891, sob orientação do Padre Germano. Até aquela data ela tinha escrito 1286 artigos, que foram publicados em periódicos na Espanha e no exterior: “El Critério” e “El Espiritismo”, de Madri; “La Gaceta de Cataluña”, “La Luz del Porvenir” e a “Revista de Estudos Psicológicos” de Barcelona;” La Revelación”, de Alicante; “El Espiritismo”, de Sevilha; “La Ilustración Espirita”, do México;” La Ley del Amor”, de Mérida de Yucatán; “La Revista Espiritista”, de Montevidéu; “La Constancia”, de Buenos Aires; os” Annali dello Spiritismo” na Itália;” El Buen Sentido”, de Lérida e outros dos quais não há mais registro.

Em 29 de abril de 1909, de Barcelona, Amália retornou ao plano espiritual, o que não significa que se afastou de seu labor em prol do Espiritismo.

Em 10 de julho de 1912, por intermédio da médium Maria – que colaborou com ela em vida, substituindo Eudaldo – completou suas memórias e, recentemente, nas viagens do médium Divaldo Pereira Franco à Espanha, tem transmitido mensagens de orientação e encorajamento aos espíritas espanhóis.

O Espiritismo na Espanha continuaria a progredir até as vésperas da Guerra Civil de 1936-1939, quando o conflito latente desde a regência de Maria Cristina entre uma Espanha que queria ser moderna e uma que sonhava com o passado, transformou-se em uma sangrenta guerra civil.

As proporções do conflito, se hoje não causam espanto, é porque foram eclipsadas pela II Guerra Mundial, imediatamente posterior. Ao final desta guerra civil, a Espanha mergulhou nos 40 anos da ditadura do General Franco, que tudo fez para abafar qualquer ideia que não se enquadrasse na visão de mundo de seu regime.

O Espiritismo, perseguido e jogado na clandestinidade, porém voltou a surgir imediatamente ao fim do regime franquista, em uma Espanha nova, liderada por políticos mais maduros e por um rei esclarecido e humano, Juan Carlos I.

O balanço da obra de Amália Domingo Soler é difícil de se fazer, pois os seus frutos ainda continuam surgindo. O movimento espírita espanhol do final do século XIX, obra de Amália e de outros grandes pioneiros, como Fernandes Colavida e Miguel Vives y Vives, abrigou o primeiro congresso espírita internacional em 1888, influenciou os movimentos nascentes nos vários países de língua espanhola da América Latina e – como precedente histórico – é a base para o atual renascimento do espiritismo espanhol.

Seus artigos são hoje, como foram ontem, exposições claras e diretas do Espiritismo. Fieis interpretes da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec. Lidos e veiculados pelos meios de comunicação modernos, entre eles a Internet.
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Bibliografia
A Serviço do Espiritismo (Divaldo Pereira Franco na Europa), Nilson de Souza
Pereira e Divaldo Pereira Franco, editora Leal, Bahia, Brasil;

Historia de España, Jose Terrero, Editorial Ramón Sopena, Barcelona, España;

Historia de Sevilha, José Maria de Mena, Plaza & Janes Editores, Barcelona,
España;

La Luz del Camino, Amália Domingo Soler, Editora Espírita Allan Kardec, Málaga;

La Luz del Porvenir, Amália Domingo Soler, Editora Espírita Allan Kardec, Málaga;

Memórias de una Mujer, Amália Domingo Soler, Editora Amelia Boudet, Barcelona, Espanha;

Memórias del Padre Germán, Amalia Domingo Soler, Editora Amelia Boudet, Barcelona, Espanha;

Minha Vida, Amalia Domingo Soler (trad. das Memórias por Isolina Bresolin Vianna e Wallace Leal V. Rodrigues), Casa Editora O Clarim, Matão, Brasil;

Fonte: Site www.espiritismogi.com.br