Ary Brasil Marques
Neline, na antessala do hospital, estava se lembrando de um passado cheio de dores e de lágrimas.
Recordou a sua infância, a época que recebia de seu pai um carinho imenso, e a tranquilidade de seus anos de criança.
Em sua tela mental viu sua adolescência e suas aventuras amorosas com um primo e posteriormente com um namorado.
Lembrou com tristeza o dia que seu pai descobriu suas atividades sexuais e virou uma fera. Furioso e sem a menor pena, seu pai expulsou-a de casa, aos gritos de que ele não tinha mais filha.
Neline saiu de casa com a roupa do corpo e acabou passando dias de muita dor em um bordel, onde foi acolhida.
Recordou os anos de sofrimento e de dor, e o esforço que fez para estudar e sair daquela vida miserável.
Neline viu as lágrimas explodirem em seu rosto quando se lembrou das vezes que tentou procurar sua família e foi rejeitada.
Agora estava ali, chamada que foi pelo pai que estava morrendo com câncer e queria vê-la.
Será que conseguiria perdoar? A dúvida batia em seu cérebro, mas sentia um amor muito grande pelo pai que a abandonara. Tinha saudades dos carinhos recebidos na infância, e graças a Deus não sentia ódio nem desejo de vingança pelo mal que ele lhe fizera.
Seu coração batia forte, e sua emoção chegou ao auge quando entrou no quarto.
O pai, pálido e cadavérico, não lembrava nem de longe o homem forte e bem apessoado do passado.
Foi recebida pelo pai com uma saudação carinhosa, e ele lhe falava docemente: – Filha querida, eu espero que me perdoe. Sofri todos esses anos um terrível remorso por tudo que lhe fiz. Sempre a amei muito, e o preconceito me fez cego. Perdão, filha amada!
Neline caiu nos braços do velho pai, aos prantos. O perdão e o amor trouxeram para ambos uma alegria tão grande e tão intensa que lhes encheram o coração de paz e de gratidão a Deus.
Não importava quanto tempo ambos teriam pela frente, mas certamente estariam juntos como pai e filha, e a dor que estava por vir era muito menor que a felicidade do perdão.
Neline esperou muito tempo para dar a volta por cima. Descobriu que essa volta por cima se chama perdão.
SBC, 02/11/2007.