Ana Paula Navarro – 19/08/2007
Ele parecia ser um homem de quase quarenta anos, não sei precisar. Apenas via-o de longe, todos os dias da semana, no mesmo horário, durante anos. Acostumei-me com sua presença em minha vida. Mesmo cruzamento, mesma situação: nós dois a caminho do trabalho.
Em sua bicicleta ele seguia. Naquele trecho de percurso era a bicicleta quem nele pegava carona. Empurrava lentamente seu veículo, tamanho o esforço da subida. Uniforme alaranjado, capacete de ciclista, pequena sacola amarrada na garupa… todos os dias…
Fui nutrindo um carinho um tanto inexplicável. Muitas vezes me percebia torcendo por ele – “que seu dia seja bom, que tudo dê certo… dormiu bem?” Às vezes pedia conselhos mentalmente. Se meu dia começava um pouquinho enroscado, lá estava ele, subida infinita, mostrando-me a saída: desça, empurre a bicicleta e continue…
Talvez tenha filhos, esposa, talvez viva sozinho, talvez seja feliz, mas também triste, encabulado, sonhador, talvez saiba cozinhar, varrer, estudar, escrever… Não sei de sua vida, mas sei de sua presença em minha vida – uma constância que me ajudou a percebê-lo e a nutrir por ele um carinho especial.
Existem muitos personagens em nossas semanas, presenças ausentes em nossa percepção. De verdade não se pode conhecer a todos, ou gostar de todos, ou fazer-nos presentes a todos. Mas é importante que recuperemos a espontaneidade da visão, deixemos nossos olhares livres e perceptivos.
Vamos abanar nossos braços estendidos, dar um alô à distância, lembrar que além das janelas de nossas casas e carros, além das linhas telefônicas ou das conexões virtuais, existem pessoas, muitas pessoas, como muitas e diferentes histórias, necessidades, sonhos, missões. Não precisamos trazê-las à nossa vida, aliás, muita coisa não se deve dar permissão e acesso. Mas a invisibilidade é um dos piores tormentos humanos, a transparência perniciosa que endurece o coração, fragmenta as relações interpessoais e distancia o ser humano dos outros seres humanos.
Fica aqui uma simples e pequena homenagem ao personagem da semana: os homens comuns, que entre subidas e descidas, cruzamentos de grandes e pequenas cidades e campos, saem para trabalhar todos os dias. Ninguém é anônimo à própria vida e o maior e mais valoroso trabalho é aquele que faz o homem progredir, utilizar seus potenciais, agregar valores e aprender a arte da convivência pacificada.
Cada qual em sua bicicleta, vamos seguindo…