RETRATO DE MÃE

Depois de muito tempo, sobre os quadros sombrios do Calvário,

Judas, cego no Além estava solitário…

Era triste a paisagem, o céu era nevoento…

Cansado de remorso e sofrimento, pusera-se a chorar…

Nisso, nobre mulher de Planos Superiores, envolta de celestes esplendores, que ele não conseguia divisar,

chega e afaga a cabeça do infeliz.

Em seguida, num tom de carinho profundo, quase que, em oração, ela lhe diz:

– Meu filho, por que choras?

– A caso não sabeis? – Replica Judas, claramente agressivo.

– Sou morto e estou vivo!

Matei-me e novamente estou de pé, sem consolo, sem lar, sem amor e sem fé. Não ouvistes falar em Judas, o traidor? Sou eu que aniquilei a vida do Senhor. A princípio, julguei poder fazê-lo rei, mas apenas lhe impus sacrifício, martírio, sangue e cruz.

Afastai-vos de mim, deixai-me padecer neste inferno sem fim…

Nada me pergunteis, retirai-vos senhora, nada sabeis da mágoa que me agita, pois nunca penetrareis em minha dor infinita…

No entanto, a Dama calma respondeu:

– Meu filho sei que sofres! Sei que lutas! Sei a dor que te causa o remorso…

Venho apenas falar-te que Deus é sempre amor em toda parte!

E, acrescentou serena:

– A Bondade do Céu jamais condena. Venho por mãe a ti, buscando um filho amado. Sofre com paciência a dor e a prova. Terás em breve, uma existência nova…

Não te sintas sozinho ou desprezado.

Judas interrompeu-a e disse rude e pasmo:

– Mãe? Não me venhais aqui com mentira e sarcasmo. Depois de me enforcar num galho de figueira, para acordar na dor, sem mais poder fugir à vida verdadeira, fui procurar consolo e força de viver ao pé da pobre mãe que me forjara o ser…

Ela me viu chorando, escutou meus lamentos, mas teve medo de meus sofrimentos.

Expulsou-me e disse que eu era, unicamente, o Espírito do mal.

Ah! Detesto lembrar a horrível mãe que eu tinha…

Não me faleis de mães, não me faleis de amor, sou apenas um monstro sofredor…

Inda assim – disse a Dama docemente…

– Por mais que me recuses, não me altero. Amo-te filho meu! Amo-te e quero ver-te, de novo, a vida, maravilhosamente revestida de paz e luz, de fé e elevação…

Virás comigo à Terra, perderás, pouco a pouco, o ânimo violento e terás o coração nas águas de bendito esquecimento… Numa nova existência de esperança, levar-te-ei comigo a sereno abrigo…

Dar-te-ei outra mãe! Pensa e descansa!

E Judas, nesse instante, como quem esquecesse a própria dor gigante, perguntou:

– Quem sois vós, que me falais assim, sabendo-me traidor?

– Sois divina mulher, irradiando amor ou anjo celestial de quem pressinto a luz?!…

No entanto, Ela a fitá-lo, frente a frente, respondeu simplesmente:

– Meu filho, eu sou Maria, sou a Mãe de Jesus.

Do livro: “Momentos de Ouro”, Maria Dolores, Francisco Cândido Xavier