A CANECA


Ary Brasil Marques

Zé Bernardino era muito medroso de pegar doenças pelo contágio com outras pessoas. Vivia lavando as mãos, usando álcool para as desinfetar e evitava a todo custo o contato físico com aquele povo ignorante, como ele dizia, de sua cidade.

Morava no interior de Minas Gerais, em uma pequena cidade. Zé Bernardino era um pesquisador. Lia livros e jornais da Capital, e se interessava muito pelas descobertas da Ciência no que se refere aos cuidados de higiene e de alimentação. Julgava-se muito acima em cultura dos demais habitantes da cidadezinha onde morava.

Um dia, Zé Bernardino comprou um carro. Um Ford 1937 novinho. Exultou! Agora podia realizar o seu sonho que era de viajar, conhecer outras cidades, aumentar seus conhecimentos.

Para testar o carro, certa vez saiu pela manhã em direção a uma cidade próxima. Seriam 60 quilômetros de aventura, e ele estava eufórico. Sentia-se grande, poderoso, dominador.

A estrada não tinha pavimentação, era de terra batida, mas bem conservada e considerada uma das melhores da região. Dirigiu cantarolando por um bom tempo.

De repente, o carro começou a ferver. Saia uma fumaceira danada do capô, e depois de algum tempo o motor parou de funcionar. Restou só a fervura, a fumaça.

Inexperiente, tentou de todas as maneiras resolver a situação, sem sucesso. O carro não pegava. Esse carro não anda mais. E agora?

O sol ia alto. Era dia de intenso calor. Zé Bernardino resolveu deixar o carro ali e ir à procura de um mecânico na cidade.

Começou a andar de volta à cidade. Parecia que tinha andado tão pouco, e agora achava tão longe. Foi andando e o sol esquentando cada vez mais.

Nosso herói suava às bicas. Tinha uma sede enorme, e não via casa alguma onde pudesse pedir um copo de água.

Depois de uma caminhada enorme, que para ele era ainda maior por não estar acostumado a andar a pé, e o sol lhe castigando muito, viu uma casinha à beira da estrada.

Apertou o passo. Chegando à porta da casa, gritou:

– Ô de casa.

Foi atendido por uma mulher de aspecto repugnante. Era velha, cabelos escorridos e sujos, um enorme papo e um vestido andrajoso.
– Dona, estou morrendo de sede. A senhora poderia me arranjar um copo com água?
– Peraí. Vo buscá.

A velha foi até lá dentro da casa e trouxe uma caneca com água. A caneca era esmaltada, mas toda suja e com marcas de líquidos escorridos.

Zé Bernardino olhou para a caneca. Ela lhe dava náuseas. Percebeu, examinando melhor, que a caneca tinha um pequeno racho em um dos lados, mais escuro do que o resto da caneca.

Pensou Zé Bernardino, talvez seja ali, nesse racho, que ninguém usou para beber. Tinha vontade de sair correndo, mas a sede era muito grande.

Com todo o cuidado, para não encostar seus lábios em outra parte da caneca, bebeu a água pelo racho. Dos males o menor.

A velha deu uma risadinha e disse:

– Dotô, eu também uso esse rachinho pra bebê. É ai que eu ponho o meu beiço, pruque dá certinho pra mim.

Zé Bernardino deu um enorme grunhido, e depois inundou a sala com todo o líquido que havia bebido, em estrepitoso e escandaloso vômito.

Tadinho do Zé Bernardino.

SBC, 07/08/2007.